O PL 1809/2011: A problemática da inclusão do corretor na escritura pública de compra e venda do imóvel

O corretor de imóveis desempenha papel vital no Mercado Imobiliário, especialmente quando consideramos que o maior sonho de grande parte da população brasileira é um: a casa própria.

Além disso, também na maioria dos casos, a compra do imóvel é o maior negócio que a pessoa fará na vida e, por vezes, passa 30 ou 35 anos para quitar o pagamento, isto é, o adquirente não pode errar na escolha do imóvel, reforçando o protagonismo do corretor de imóveis.

Por sua vez, no sistema registral brasileiro, para que haja a formalização da transmissão da propriedade imobiliária, é fundamental o registro na matrícula do imóvel, conforme se depreende do art. 1.245, §1º do Código Civil: “Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.”. Daí o brocardo: “só é dono quem registra”.

O Projeto de Lei nº 4.749/2009, propõe a alteração do artigo 3º da Lei 6.530/68, a qual regulamenta a profissão de Corretor de Imóveis, visando a obrigatoriedade da inclusão do nome completo do corretor e do seu número de inscrição no Conselho Regional de Corretores de Imóveis – CRECI na escritura do imóvel cuja transação ele tenha intermediado.

A uma primeira vista, o Projeto parece valorizar a profissão do corretor de imóveis, trazendo quase que uma obrigatoriedade de todas as transações imobiliárias serem feitas por profissionais inscritos no CRECI, assemelhando-se, quase, exclusividade da capacidade postulatória do advogado.

Todavia, analisando mais detidamente as implicações do PL, a propositura pode ser, na verdade, bastante prejudicial à classe, merecendo, portanto, um olhar mais acurado e reflexivo, o que buscarei fazer neste breve artigo.

O corretor seria cúmplice em eventual fraude tributária?

Na compra e venda de um imóvel, o comprador e o vendedor passam por algumas etapas. Ao ajustarem as condições do negócio, eles geralmente celebram um contrato particular de promessa de compra e venda. Em seguida, lavram a escritura pública, revestindo o negócio com as formalidades exigidas por Lei, para, então, registrarem o instrumento no Registro Geral de Imóveis – RGI, transmitindo-se a propriedade formal ao comprador.

Para que seja lavrada a escritura pública de compra e venda, os Cartórios de Notas exigem que o comprador apresente o comprovante de quitação do ITBI ou a certidão de isenção/imunidade, muito embora já esteja pacificado no STJ que o ITBI incide no ato de registro da transmissão da propriedade, não devendo ser recolhido em momento anterior.

É comum que nesse momento, ao analisar os custos, o comprador seja tomado por indignação, considerando os elevados custos de escritura pública, registro do imóvel e a cereja do bolo: o ITBI. Quando fazem as contas, por vezes acabam se deixando levar e, ainda que sem pensar direito, declaram na escritura pública um valor inferior ao que de fato foi transacionado.

São várias as consequências para o comprador e o vendedor, todavia, aqui vou me ater apenas ao que poderia repercutir no corretor de imóveis com a aprovação do PL nº 1809/2011.

Atualmente, o STJ, em julgamento de recurso repetitivo, definiu que a base de cálculo do ITBI é o valor declarado pelo comprador/contribuinte, com base no contrato de compra e venda celebrado. Logo, imagine que o comprador pagou R$ 1 milhão no imóvel, quando fizer as contas, verá que precisará desembolsar R$ 30 mil.

Objetivando reduzir o valor do tributo, ele pode declarar valor inferior, nesse caso será necessário que o comprador e o vendedor sejam “cúmplices” nessa fraude. Até então, se o corretor não assinou o contrato ou a escritura, poderia ficar de fora deste ato, até porque, de fato, pode não estar envolvido.

É que a Lei nº 4.502/64, em seu art. 72, entende que “fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.”

Mas, a partir do momento que o corretor faz constar seu nome no contrato ou na escritura, sabendo que há uma simulação do valor com objetivo de sonegar tributos, ele passa a ser cúmplice, podendo ser responsabilizado civil e criminalmente por isso. Segundo o art. 73 da Lei nº 4.502/64, “conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos arts. 71 e 72.”

A justificativa do projeto de lei reforça o argumento ora levantado já em seu primeiro parágrafo:

“Nossa intenção é cada vez mais proporcionar garantias aos cidadãos, que efetuam com a participação de corretoras, segurança na transação imobiliária, através de corretores devidamente credenciados, pois desta forma ficarão os mesmos sujeitos às penalidades impostas pela Lei nas fraudes ocasionais.”

A natureza imprevisível da venda de imóveis coloca o corretor em uma posição onde é difícil antecipar exatamente quando uma venda ocorrerá. Diante dessa incerteza, o corretor pode se encontrar sob pressão do comprador para assinar documentos que possam conter irregularidades, especialmente se isso significar a conclusão do negócio e a garantia de sua comissão.

Para ilustrar com um exemplo prático, imagine que o corretor se depara com um comprador que está disposto a comprar um imóvel por R$ 1 milhão, mas insiste em declarar o valor como R$ 700 mil na escritura para reduzir o ITBI. O corretor, ciente da irregularidade desta prática e pressionado pela necessidade de concluir a venda para assegurar sua comissão, pode acabar se complicando.

Neste contexto, mesmo que a intenção do corretor não seja participar de uma fraude tributária, sua assinatura no documento com valor sub declarado o implicaria diretamente na irregularidade. Este tipo de situação é particularmente delicada, pois, embora o corretor possa acreditar que está agindo em prol da conclusão do negócio, ele estaria, na verdade, arriscando-se a enfrentar consequências jurídicas.

Portanto, embora o Projeto de Lei nº 1809/2011 pareça reconhecer e valorizar a profissão do corretor de imóveis, na prática, ele pode aumentar a vulnerabilidade dos corretores a dilemas éticos e legais. A exigência de inclusão do nome do corretor em transações imobiliárias cria uma responsabilidade direta e potencialmente onerosa, que vai além da simples intermediação de vendas, podendo expor os profissionais a riscos legais significativos em situações de fraude tributária.

Tal cenário ressalta a importância de um debate mais aprofundado sobre o impacto real deste projeto de lei no dia a dia dos corretores de imóveis.

Conclusão

Diante do exposto, é evidente que o Projeto de Lei 1809/2011, apesar de sua aparente intenção de valorizar a profissão do corretor de imóveis, encerra uma série de implicações potencialmente prejudiciais para esses profissionais.

A inclusão obrigatória do nome e registro do corretor no contrato de venda ou na escritura pública pode, inadvertidamente, transformá-lo em um potencial cúmplice de fraudes tributárias, especialmente em casos em que há subdeclaração do valor do imóvel para fins de redução do ITBI.

Essa exposição a riscos legais não apenas coloca em xeque a segurança jurídica do corretor, mas também contraria o princípio de proteção da categoria, que é o espírito norteador da regulamentação da profissão. Ao invés de atribuir mais segurança e valorização à atividade, o PL pode resultar em uma responsabilidade desproporcional e potencialmente injusta para os corretores de imóveis.

Sobre o autor deste artigo

Foto de Amadeu Mendonça

Amadeu Mendonça

Advogado Patrimonial e de Negócios Imobiliários. Sócio fundador do Tizei Mendonça Advogados. Foi Gerente-Geral Jurídico da Pernambuco Participações e Investimentos S/A - Perpart (antiga COHAB). Professor de Direito Imobiliário de PPGD e MBA. Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Federal de Pernambuco. Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/PE. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM). Autor de artigos jurídicos.

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