Cachorro que tem dois donos morre de fome”: e o patrimônio?

Certamente você já ouviu essa expressão oriunda da sabedoria popular. Não se sabe quem a criou, porém, é certo que tem um fundo de verdade, estando arraigada em nosso imaginário.

E o que isso tem a ver com patrimônio familiar?

Mais do que parece.

É muito comum encontrar famílias com patrimônio relevante, especialmente aquelas cuja riqueza foi construída há uma ou duas gerações, que não se preparam para a sucessão. E quando o inevitável acontece, os conflitos começam a surgir.

Imagine que uma pessoa é proprietária única de um imóvel. Ela sabe que todas as responsabilidades recaem sobre ela, por isso se compromete com o pagamento do IPTU, da taxa de condomínio, cuida da manutenção e preserva o mobiliário. Faz isso porque sabe que manter o imóvel em bom estado significa preservar ou até aumentar seu valor, além de garantir uma renda com a locação.

Mas, um dia, essa pessoa falece e deixa três filhos, que passam a ser coproprietários do imóvel. Todos têm o mesmo direito sobre o bem, mas o mesmo senso de responsabilidade nem sempre acompanha a herança. Em geral, um dos irmãos assume a dianteira, cuida do imóvel, se preocupa com a manutenção, resolve pendências. Os outros, no entanto, limitam-se a cobrar resultados, sem se envolver de fato.

Em pouco tempo o irmão que tomou a dianteira passa a ficar chateado, sentindo que apenas ele trabalha pelo bem, mas todos auferem a renda proveniente da locação do imóvel. Quando ele se queixa, os outros ficam chateados. Confundindo, ao que parece, a iniciativa do irmão com obrigação.

É aí que os problemas começam.

Esse po de impasse, infelizmente, costuma levar a um de dois cenários:

  1. O irmão que cuidava do imóvel desiste, e ninguém assume seu lugar. Com o tempo, o imóvel se deteriora, perde valor, acumula dívidas, e pode até ser perdido por abandono ou usucapião.
  2. A relação entre os herdeiros se desgasta, e a família, antes unida, se afasta irremediavelmente. Em casos mais extremos, o conflito chega ao Judiciário.

Nenhum pai ou mãe deseja isso para seus filhos. Mas como evitar?

A resposta está no planejamento sucessório. Com ele, é possível prever cenários, organizar responsabilidades e garantir que o patrimônio siga sendo cuidado — e motivo de união, não de briga.

Tomemos como exemplo a constituição de uma holding familiar. Com a estrutura societária adequada, os filhos se tornam sócios, e o contrato ou estatuto social pode definir com clareza as atribuições de cada um, inclusive com previsão de remuneração por serviços prestados à administração dos bens. Tudo com regras, transparência e equilíbrio.

Planejar a sucessão antes que ela ocorra garante a perpetuação do legado e da união da família. Essa é a melhor forma de manter a prosperidade da família nas gerações seguintes.

Se você já construiu patrimônio, o momento ideal para pensar na sucessão é agora — enquanto tudo ainda está sob controle. O planejamento sucessório não é apenas uma estratégia jurídica ou tributária. É um gesto de cuidado com a família, de proteção ao esforço de uma vida e de preservação de valores que vão além dos bens.

Evitar que o “cachorro com dois donos” morra de fome começa com uma conversa honesta e um plano bem desenhado.

Sobre o autor deste artigo

Foto de Amadeu Mendonça

Amadeu Mendonça

Advogado Patrimonial e de Negócios Imobiliários. Sócio fundador do Tizei Mendonça Advogados. Foi Gerente-Geral Jurídico da Pernambuco Participações e Investimentos S/A - Perpart (antiga COHAB). Professor de Direito Imobiliário de PPGD e MBA. Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Federal de Pernambuco. Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/PE. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM). Autor de artigos jurídicos.

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